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emRede - folha informativa

Califórnia acelera mudanças nas práticas agrícolas

sustentavel CALIFORNIA 8 final clean 810x456Pequenos agricultores locais e práticas de sustentabilidade emergiram no rescaldo da crise causada pela pandemia de Covid-19. Conheça o projeto California Climate and Agriculture Network.

“Não há nada como um desastre para fazer as pessoas mudarem de ideias quanto às alterações climáticas”, diz Renata Brillinger, cofundadora e diretora executiva da CalCAN (California Climate and Agriculture Network). Veterana do setor, trabalha há quase trinta anos e viu as mudanças profundas que aconteceram na Califórnia, uma das maiores regiões agrícolas do mundo. “Há três anos supostamente terminou a grande seca e durante esse tempo o tom da conversa mudou muito”, diz.

“Há consenso alargado de que eventos como secas e inundações estão a aumentar a frequência e intensidade”, continua. A pandemia de Covid-19 veio trazer um conjunto de desafios diferentes, que ninguém poderia ter previsto, mas a urgência é a mesma. E, desta vez, a resposta está mesmo a acelerar.

“Tem sido um momento muito desafiante e dinâmico”, explica a diretora da CalCAN. A organização, que trabalha com agricultores e com legisladores para fazer avançar políticas dedicadas à sustentabilidade, tem 400 produtores na sua lista. Desde o início da pandemia, registou-se um aumento expressivo nas candidaturas a programas estaduais que financiam mudanças sustentáveis na forma de produção.

Estes programas, incluídos na iniciativa “Climate Smart Agriculture”, foram pioneiros no país e são financiados pelo programa de limitação e comércio de emissões (cap-and-trade) da Califórnia.

Interesse em práticas sustentáveis dispara

“Um dos setores onde o Governo investe esse dinheiro é na agricultura, porque os agricultores e rancheiros podem usar práticas nas suas operações que reduzem os gases com efeito de estufa nas propriedades e que também armazenam carbono”, explica Renata Brillinger. “Isto é, retirando-o da atmosfera e colocando-o no solo e nas plantas.” Há também subsídios para melhorar a eficiência da irrigação, financiando tecnologia que envolve bombas solares e monitorização da humidade do solo.

No sector dos lacticínios, em que há pelo menos 1200 produtores, o California Department of Food and Agriculture (CDFA) registou um aumento significativo dos pedidos de subsídio para projetos que reduzem as emissões de gás metano através de melhorias na gestão do estrume. Os pedidos totalizam agora 50,8 milhões de dólares, cinco vezes mais que o habitual, num sector em que metade das propriedades são detidas por lusodescendentes. O mesmo departamento registou o triplo das candidaturas ao programa “Solos Saudáveis”, com quase 600 pedidos em meados de maio.

Em paralelo, 65 empresas, organizações sem fins lucrativos e entidades de saúde pública enviaram cartas ao governador da Califórnia, Gavin Newsom, a pedirem maiores apoios a soluções que combatam as alterações climáticas nas propriedades agrícolas do estado.

“A pandemia mostrou quão frágil é a nossa segurança alimentar”, disse Ed Seaman, diretor geral da Santa Barbara Blueberries, citado pela CalCAN. “Talvez o medo que as pessoas estão a sentir possa ser aproveitado para operar mudanças generalizadas e proteger as quintas locais e os sistemas de alimentação locais”, considerou. “Se querem lutar contra as alterações climáticas, precisam de um exército de pequenos agricultores que se foquem em manter o carbono no solo ao aumentar a biodiversidade no solo e acima dele”.

Desenvolver ecossistemas

É precisamente isso que está a fazer Steven Lee na sua pequena operação Quaker Oaks Farm em Tulare, vale central da Califórnia. “Somos uma propriedade agrícola muito diversificada”, diz o responsável. “Implementei uma série de práticas diferentes, para ver quais valiam a pena e como podíamos endereçar os vários aspetos do sequestro de carbono.” Steven Lee explica que entre as práticas que testou se incluem plantar árvores a uma escala mais alargada, culturas de cobertura, espalhamento de composto, cobertura de folhas (mulching) e sebes. “Com as culturas de cobertura, em particular, passei a ver uma diversidade muito maior de insetos no solo. Temos mais de 450 metros de fileira de sebes, o que é bastante”, afirma. “Com isso adicionámos muitas flores polinizadoras que florescem ao longo do ano, e agora vemos uma maior diversidade de abelhas. Antes não víamos galerias no solo e agora estão em todo o lado.”

Lee passou a ver também muitos insetos benéficos, como o Chrysoperla Rufilabris, que se mantêm na propriedade o ano todo. “Desenvolveu-se um ecossistema”, diz. “Somos uma quinta biológica, pelo que usamos muito pouco inseticida, quase nenhum.”

O resultado, além do aumento da matéria orgânica, foi uma melhoria da colheita e da qualidade do solo. “É um enorme benefício, porque este solo vai conservar melhor a água. Temos um solo de melhor qualidade e vê-se a diferença em relação à maioria das propriedades no vale de São Joaquim”, sublinha.

Estas práticas foram apoiadas pelo subsídio do programa “Solos Saudáveis”, ao qual a Quaker Oaks Farm se candidatou e que foi aprovado. “É a coisa ética a fazer, cultivar de forma sustentável, mas isto tem a ver também com dinheiro. Não é caridade”, sublinha o responsável.

É por isso que a CalCAN coloca um foco tão expressivo no reforço das ajudas monetárias aos agricultores que querem tornar-se mais sustentáveis, mas não têm dinheiro para operar essas mudanças.

“A motivação primária dos rancheiros não é resolver as alterações climáticas”, admite Renata Brillinger. “Eles estão a tentar manter-se à tona de água, há muitos fatores que pesam, por isso tentamos usar políticas para mudar o tabuleiro do jogo e fazer com que passe a ser do seu interesse em termos de negócio, incentivando práticas que têm benefícios ambientais.”

Isso tornou-se mais que evidente desde que a pandemia de covid-19 virou o mercado de cabeça para o ar e operou uma disrupção sem precedentes nas cadeias de produção e fornecimento.

A Califórnia, que produz 80% das amêndoas de todo o mundo e 20% de todo o leite dos Estados Unidos, viu-se repentinamente numa situação de crise.

Os efeitos começaram a fazer-se sentir bastante cedo. Quando as primeiras ordens de confinamento chegaram à baía de São Francisco, no norte da Califórnia, o maior produtor de espargos do condado de São Joaquim travou a fundo às portas da colheita. A Klein Family Farms apercebeu-se imediatamente que iria perder uma grande parte dos seus clientes, com o encerramento dos restaurantes e com o cancelamento do Festival do Espargo de Stockton, que acontecia sem interrupção há 34 anos.

Por essa altura, o valioso sector da produção de leite da Califórnia ficou a braços com uma quebra dramática de preços. O encerramento das escolas e dos restaurantes por causa da pandemia de covid-19 resultou na perda de canais de consumo significativos e o que surgiu em seu lugar – venda de comida para fora e aulas em casa – não conseguiu compensar a queda.

A Califórnia, que produz 80% das amêndoas de todo o mundo e 20% de todo o leite dos Estados Unidos, viu-se repentinamente numa situação de crise. Dois meses depois do início do confinamento uma sondagem da California Farm Bureau Federation já mostrava que 57% dos agricultores tinham perdido clientes ou baixado as receitas por causa da pandemia.

A corrida aos subsídios que ajudam os produtores a tornarem-se mais sustentáveis é uma parte importante da mudança que está a acontecer, mas não é a única.

Estes modelos têm uma cadeia de fornecimento bastante curta e tornaram-se na alternativa mais fiável para muita gente

Agricultura por ‘subscrição’

Outra tendência de relevo que surgiu quase de imediato, quando as prateleiras dos supermercados começaram a estar constantemente vazias, foi o ressurgimento da importância dos pequenos produtores locais e das CSA (Community Supported Agriculture). Estas consistem num modelo de subscrição em que os membros investem à partida na propriedade agrícola e vão recebendo regularmente uma parte das colheitas. Estes modelos têm uma cadeia de fornecimento bastante curta e tornaram-se na alternativa mais fiável para muita gente durante o pico do confinamento, quando era praticamente impossível encontrar produtos frescos nos supermercados e as pessoas não queriam arriscar uma ida às compras.

Os modelos de subscrição são vários e surgiram novas ideias por causa da pandemia. Em Berkeley, perto de São Francisco, a chef do restaurante Chez Panisse, Alice Waters, criou uma CSA para que os clientes pudessem comprar caixas com produtos frescos dos seus fornecedores todas as semanas. O restaurante estava fechado, mas passou a servir como ponto de entrega das caixas no modelo de subscrição. E este é apenas um exemplo de muitos que surgiram na Califórnia nos últimos meses.

“A pandemia tornou mais real a nossa dependência nos produtores locais e é um argumento a favor da luta contra as alterações climáticas para proteger os meios de subsistência”, diz Rose Marie Burroughs, da Burroughs Family Farms, citada pela CalCAN. “Estamos a perceber o que é realmente importante”, continua a responsável da propriedade, que produz amêndoas e leite biológico. “Fica mais claro quão importante é manter e fortalecer as economias e sistemas alimentares locais.”

Há um ressurgimento das redes que sustentam os pequenos produtores. Com uma produção biológica muito virada para a comunidade, o responsável da Quaker Oaks Farm, Steven Lee, diz que os efeitos da pandemia já começaram a esbater-se. “Tínhamos perdido algumas vendas, mas acabámos por compensá-las, por isso ficou mais ou menos equilibrado”, indica. “No geral, acho que diminuímos as vendas, mas não por muito.”

O racional do negócio sustentável

Sendo a Califórnia um dos maiores produtores agrícolas do mundo, com um mercado pré-pandemia avaliado em 50 mil milhões de dólares por ano, a sua reação à covid-19 tem impacto para lá das fronteiras do “golden state”. Entre as 17 mil propriedades agrícolas espalhadas pela Califórnia, apenas uma fração se candidatou e recebeu apoios para se tornar mais sustentável. “Mas há um efeito de cascata e cada vez mais consciência e interesse nas práticas que estes programas estaduais financiam”, diz Renata Brillinger.

Uma das ideias que Renata Brillinger deixa vincadas é que o financiamento de mudanças para que a produção agrícola se torne mais sustentável e menos agressiva ambientalmente não equivale a um custo permanente. “Quando implementámos este programa cap-and-trade estávamos com um grande défice orçamental”, indica a diretora, referindo-se à situação financeira do estado da Califórnia há 14 anos, quando era governada por Arnold Schwarzenegger. “Qualquer imposto sobre o carbono, quando bem desenhado, põe o custo na indústria e não nos indivíduos nem nos governos”, sublinha. “Ainda há muita gente a argumentar que quando se está numa situação económica delicada não se pode impor impostos ou taxas à indústria, porque o mercado diz que isso causará mais dificuldades económicas”, afirma. “Não acredito nisso e na verdade o que vimos aqui é que conseguimos sair da recessão ao mesmo tempo que se impunham estas taxas e se criavam mais empregos”, frisa.

E isto funcionará fora da Califórnia? Apesar de ninguém saber como estará o mercado do outro lado da pandemia, é sempre preciso ter em conta as especificidades. “Olhando para Portugal e para muitos outros locais, é preciso ter múltiplas fontes de financiamento para pôr estes programas a andar”, avisa Brillinger. “Há muitas ideias criativas sobre como fazer isso, cap-and-trade ou taxas em agentes poluentes. É uma questão estratégica em qualquer jurisdição: fácil de identificar o que precisa de acontecer e difícil de encontrar o dinheiro para o pagar.”

O formato dos subsídios funciona melhor que a regulamentação, pondera Brillinger, porque esta pode ser contraproducente. “Os agricultores sentem-se sobrerregulados e as suas margens são magras, o que torna difícil chegar a qualquer lado politicamente com propostas que aumentem a regulação e os custos.”

É isso que diz também Steven Lee. “A maioria das pessoas vai resistir à regulação, em especial os grandes rancheiros”, indica. “Alguns de nós aceitaram as alterações climáticas e é uma das razões pelas quais cultivo desta forma”, diz o responsável, cujo próximo projeto será candidatar-se a painéis solares, bombas de irrigação por gotejamento, captação de águas pluviais e tecnologias de monitorização da humidade no solo. “Estes programas funcionam bem”, considera. “É o incentivo do dinheiro que convence estes agricultores.”

Lusodescendentes dão o exemplo

Com cerca de metade da produção de leite dominada por lusodescendentes, a adesão a programas menos nefastos para o ambiente tem exemplos entre a comunidade portuguesa. A Manuel DaSilva Dairy é uma das propriedades que aderiu ao programa de gestão alternativa do estrume (AMMP, na sigla inglesa).

A ideia é resolver os problemas criados pela descarga dos resíduos e a consequente emissão de gases. “A forma como se biodegrada pode ser problemática em termos da qualidade da água” explica Brillinger. “Os animais estão metidos em água com desperdícios e há regulação sobre isso. Depois os sólidos são espalhados nalgum lado. Não é que não sejam fertilizantes, mas é difícil lidar com eles e é preciso ter cuidado com a forma como se aplicam aos cultivos.” A mudança proposta pelo AMMP permite separar o líquido dos sólidos para que aquele seja mais fácil de usar, tanto para reciclar como para espalhar nos cultivos. “Estes subsídios financiam uma tecnologia que é relativamente simples e permite fragmentar e fazer compostagem dos resíduos”, diz Brillinger. “Os produtores, muitos deles luso-americanos, estão interessados neste programa.”

Autoria: Ana Rita Guerra

* Artigo em colaboração com a revista Sustentável e publicado originalmente na edição de fevereiro de 2021 da revista VIDA RURAL